Ler é trabalhar com as emoções

Hoje durante o caminho que faço para vir trabalhar, trouxe o livro da escritora portuguesa Inês Pedrosa, Faz-me falta. Estou mastigando e apreciando cada palavra impressa nesse livro. Talvez até mesmo por isso estou demorando tanto para ler. Não é um best-seller que você digere numa tacada só sem nem se dar ao trabalho de refletir sobre o que se lê. Não. A literatura de Inês Pedrosa, ao contrário do que muito se fala dela (escrever literatura feminina),na minha opinião, é literatura das emoções. E emoção não é privilégio somente de nós mulheres. O homem também sente, sofre, chora. Sente falta da mulher amada. E estou amando cada palavra que a autora colocou de forma tão brilhante e delicada no livro. Já me peguei várias vezes interrompendo a leitura para assimilar o sentido da frase e o conteúdo vasto de emoções que traz nas entrelinhas. Hoje mesmo, pela manhã, li um trecho de um dos capítulos que me deixou muito emocionada. Tive de parar de ler, respirar fundo, voltar os olhos para a página novamente e reler tudo de novo. Parei mais uma vez, refiz o que tinha feito anteriormente e uma emoção muito grande inundou meu ser. E aí eu digo: isso é literatura pra mim! Adoro esse mexer com minhas emoções, me virar do avesso nos sentimentos, trazer a tona uma gama imensa de sensações que nem havia ainda tomado consciência que existia dentro de mim. Adoro essa literatura que me deixa embriagada, zonza, trépida mesmo. E aí, parei e pensei com meus botões:

"Deus! Será que um dia ainda terei capacidade de escrever assim? De conseguir carregar nas tintas literárias sabendo misturar as nuances e matizes das emoções traduzindo para o leitor de forma que gere esse turbilhão interior?" Após ter esse pensamento, mentalmente abaixei minha cabeça e disse Amém como forma de sacralizar meu desejo de escrever assim. É engraçado. Durante muito tempo tive um certo "preconceito" com escritores portugueses. Após muito ouvir um amigo português me sugerir como leitura um livro chamado Equador, de Miguel Sousa Tavares, descobri a literatura portuguesa. Trazia comigo um ranço das inúmeras vezes em que tentei ler José Saramago e nunca conseguia chegar ao final de seus livros. Me achava até mesmo uma ignorante pois o tanto que consagram esse autor e eu simplesmente não conseguia ler nada até o final. Frustrei-me. Mas aos poucos fui descobrindo Fernando Pessoa e seus heterónimos, a intesidade de Florbela Espanca, a prosa poética de Mia Couto. E hoje, rendo-me a essa escritora.
Para quem ainda não a conhece, deixo aqui trechos dos capítulos que me emocionou:

16. "A fé impede-nos de viver", dizias. "Põe todo o prazer no futuro - é por isso que é tão útil aos pobres". Mas que faremos da imaginação do prazer? Quando meus pais morreram, julguei que Deus se ria de mim e virei-lhe as costas...E parecia-me que a graça da existência consistia em procurar vozes na noite - uma noite cuja cauda se arrasta pelo fundo do mar e pelo interior da terra, uma noite que o vapor branco do sol apenas abre um pouco mais. Assim me apaixonei pelos livros - pela noite queneles nos invade, quando abrimos, pela noite que neles nos invade, quando os abrimos, pela noite que neles nos resiste, depois de lidos, relidos e fechados. Pela noite que prossegue, incansável, entre as palavras, as palavras sem dono, escritas da ausência para a ausência."

22. "O teu corpo ainda tão quente - barro, a tua Bíblia diz que agora és barro, essa ideia devia confortar-me mas eu não sou crente...Depois disseste-me que foi nesse momento que os nossos olhos se encontraram. Mas eu não me lembro dos teus olhos. Lembro-me sim, do odor do teu corpo, uma mistura excitante de rosas, canela e sexo. Talvez trouxesses ainda o cheiro dos teus amantes...E entreguei-me - terás percebido isso? Deixei de saber quem era. Continuo a precisar de ti para existir. Para dormir...Nós não podíamos prescindir um do outro. Não podíamos entrar no infinito jogo finito do corpo. Derrameisobre tua vida, por incontáveis noites, os meus breves amores perfeitos, pormenor a pormenor. E tu derramaste sobre a minha as tuas paixões impossíveis, impossíveis de apagar. Desejo-te tanto, ainda."

Comentários

Pedrita disse…
anotei esse livro, faz tempo que quero ler algo de inês pedrosa e me sinto em débito com essa autora. eu terminei a ilha sob o mar da isabel allende, tb li devagar pelo mesmo motivo, economizando a leitura pra não acabar de tão incrível. não queria abandonar aquele prazer. eu amei rio das flores do miguel sousa tavares, fascinante. e amo saramago. beijos, pedrita
Anônimo disse…
Oi Roseli.

Esta é outra autora que eu ainda não conheço. Acho que a biblioteca deve ter esse livro.
Vou anotar.

Bjs.
Elvira

Obs: Eu acho que você escreve muito bem.
Sonhos melodias disse…
Meninas leiam que é muito bom mesmo!
Bjs
lili disse…
oi Roseli, obrigada pela visita ao meu blog. Seu comentário foi muito pertinente e enriquece a discussão! Obrigada mesmo...

Tenho 2 livros desta autora na pilha, um deles o mesmo de sua postagem... Achei instigante a sua impressão do livro, estou mais animada em lê-lo.

Obrigada pela dica e empurrão :)
Estava esperando alguma resenha sobre ele...

Beijos
Lili

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