Pequenino exterminador

Sala de estudo cheia. Não tem um lugar vago. Epoca de recuperação na escola e todos aqueles que, ou brincaram durante todo o ano, ou tiveram muita dificuldade, têm uma última chance de conquistar nota para passar de ano. Sons de páginas virando. Olhos nervosos e atentos. Vozes baixas que discutem a matéria estudada. No entanto, no meio dessa pintura escolar, observo uma expressão que difere dos demais. Um par de olhos de um verde intenso plantados feito esmeraldas num rosto repleto de sardas que flutua no ar mirando algo que não consigo captar. Pronto. Minha curiosidade está acionada. O que será que mantém sua atenção? Sigo seu olhar mas não consigo enxergar o alvo dela. Ele sorri...mais um pouco e chega quase a gargalhar. Peço silêncio de minha mesa. Olha-me, engole a risada, respira fundo e finge estudar. E eu, de minha parte, finjo trabalhar mas não consigo pensar em mais nada a não ser descobrir o motivo de seu riso. E fico mentalmente discorrendo sobre os inúmeros motivos dele se dispersar tanto dos estudos. Seria ele uma criança hiperativa? com déficit de atenção? Aos poucos, achando que estou de fato trabalhando, observo pela minha visão periférica que ele voltou a olhar para seu objeto imaginário e começa a mostrar a língua e a fazer caretas. Segurando meu riso pois a cena é muito engraçada, mantenho-me na tocaia só esperando a hora de desvendar esse mistério que - a essas alturas - já me deixa em comixões de tanta curiosidade. Abaixa-se sobre o tampo da mesa e com suas mãozinhas miúdas, percorre um caminho indo a lugar nenhum como se estivesse mexendo com algo ou alguém. Inúmeras vezes recolhe suas mãos e ri. Ri de uma forma guardada só para sí. Paralisado feito uma estátua de sal, permanece assim por alguns minutos e, num lance veloz, com sua caneta, laça algo que pra mim é invisível mas, pela sua expressão de vitória, é algo bem real. Não me aguentando de tanta curiosidade, levanto e vou até ele perguntar o que ele fazia. Com os olhinhos brilhantes revelando seu gosto pela vitória disse:
"Tia, tava só esperando uma aranha que fazia uma teia se distrair pra pegar."
"Ah...uma aranha...e você a pegou?"
"Peguei sim e estraçalhei com ela. Quer ver?" - e mostrando sua mãozinha revelou por entre seus dedos algo indefinido, esmagado e desfigurado que até pouco tempo era uma inofensível aranha. Pobre aranha! Essa atitude do garoto me fez lembrar de quando era criança e tinha um prazer absurdo em jogar sal nas lesmas do jardim de casa e, quando ia ao sítio de meu tio João, jogar sal também nas costas dos pobres sapos que encontrávamos pelo caminho. O prazer que sentia ao ver essas pobres criaturas se contorcendo de dor... pequenas maldades infantis. Voltando a minha realidade falei:
"Certo meu jovem. Mas agora que já matou a pobre aranha, que tal se concentrar nos estudos?"
Com o sorriso mais encantador, pegou seus cadernos e livros e retomou a leitura e lições de casa. Mas de vez em quando, observei que ele desviava seus olhinhos e buscava uma próxima presa.

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